Se não há um retorno financeiro imediato, se não se dá o respeito em
apoio e oportunidade de cidadania em praticar plenamente o esporte, o
que resta para a modalidade e nossa seleção?
Não existe ainda um mercado de milhões de dólares ou euros para o
futebol feminino. Também não existe ainda a conscientização no Brasil de
que investir no futebol feminino dé retorno. Não existe ainda um Brasil
consciente de que o futebol feminino é diferente do masculino somente
na condição biológica, muscular, e no histórico de progresso,
investimento e retorno. O futebol feminino não deve ser colocado para
escanteio e tratado com desprezo, isso somente porque a cultura
brasileira ainda identifica o esporte com o gênero - masculino.
Temos esperança de que um dia o futebol feminino seja tratado com
mais direcionamento, respeito e seriedade. Vale a pena lembrar que
outros setores da sociedade e profissão já sofreram com problemas de
apoio, respeito, e preconceito. No século passado, a profissão de atriz,
que hoje em dia gera celebridades, era marginalizada. Elas eram vistas
como uma vergonha para a sociedade, a ponto de suas filhas não poderem
estudar em colégio de freiras. Preconceito e desrespeito ao ser humano.
O futebol feminino já está muito além disso hoje, mas já existiram
situações parecidas, como padres no interior da divisa de Minas com São
Paulo que fecharam a porta da igreja por uma semana, enquanto a seleção
feminina estava treinando na cidade. Graças à Deus, esses tempos já
mudaram, mas ainda temos muito que buscar.
Esportes em geral, não só o futebol, são instrumento de cidadania. E
este também é de consumo e mercado. Esporte é para todos, não importa
idade, gênero, e grau de instrução. O futebol é paixão nacional, todo
mundo sabe, mas não só os homens têm o direito de ser vistos como os
únicos que possam praticá-lo e ser valorizados por fazê-lo.
O esporte hoje, é um dos mais importantes instrumentos de cidadania.
Mas o que tem isso a ver com apoio e retorno no futebol feminino? Muito.
Veja neste artigo vários documentos de apoio e planejamento da Fifa,
incluindo a afirmação de que "futebol é para todos" pelo dirigente da
entidade maior do futebol.
Simpósio de Futebol Feminino da Fifa. Mensagem "Futebol é para Todos" (Joseph S. Blatter)
Enquanto a Fifa entende que deve existir apoio e trabalho em conjunto
com as federações nacionais, sendo a CBF (Confederação Brasileira de
Futebol) uma delas, para promover o futebol feminino e aumentar o número
de envolvimento no esporte de meninas e mulheres (técnicas, árbitras,
administradoras e dirigentes das entidades do esporte), outras situações
no Brasil parecem exemplificar que isso é bem dificil de se tornar
possivel.
Um dos problemas existentes é ver que, segundo uma rádio nacional
comentou, gasta-se em um mês com um jogador ídolo da torcida do Santos,o
que se gasta em um ano com o time feminino do mesmo clube. Isso é um
absurdo! É triste e tremendamente decepcionante saber disso. Nada contra
o jogador, ídolo da torcida, mas é uma vergonha que um clube tenha a
coragem de acabar com o time feminino por "falta de patrocínio", com uma
despesa desse tipo somente para um dos seus jogadores. Essa balança
certamente está errada, enquanto há outras prioridades e importância
para o sustento do futebol feminino.
Então, o que fazer quando o interesse de dirigentes que entram ou
saem são diferentes, quando presidentes de clubes têm uma visão somente
focada em negócios, podendo ser a favor ou contra esse ou aquele
esporte, podendo ter uma estratégia ou não de apoiar e investir no
futebol feminino? Eles têm o total poder de decisão. Eu escuto falar de
dirigentes e pessoas de investimento que o futebol feminino não dá
dinheiro e que não existe interesse. Pois bem, veja o quadro abaixo de
uma pesquisa da Fifa:
Simposio de Futebol Feminino da Fifa em 2011. O Brasil é primeiro
em interesse de participação. 39% dos intrevistados dentre 15,402
cidadãs de cada pais, entre 16-69 anos de idade.
Segundo essa pesquisa, o Brasil vem em primeiro lugar em interesse em
participar no futebol feminino, mas as oportunidades são muito poucas, e
os dirigentes acreditam que não vai dar certo, não se tem interesse e,
consequentemente, retorno. Com tão pouco times de futebol feminino no
Brasil, e muito menos em times de expressão nacional, como solucionar
essa questão e aumentar o apoio e a atenção no futebol feminino?
Interesse existe!
Eu tenho a plena certeza de que não adianta somente criar times de
futebol feminino Brasil afora. Não adianta somente criar uma
coordenadoria para o futebol feminino no Governo Federal, como também
não adianta somente procurar patrocínio para manter times. A qualquer
hora tudo isso acaba.
Então, o que adianta? Será que outros paises têm mais apoio e
respeito. Será que fizeram diferente para manter o crescimento e
solidificar o esporte no país no presente e para o futuro? Ou
simplesmente, o que adiantaria, seria as atletas irem procurar esse
apoio no exterior, jogar fora do país, e deixar uma seleção sem as
atletas mais talentosas?
O futebol feminino dos Estados Unidos no seu começo teve seus
momentos de tensão e problemas. Elas já mostravam que tinham muito mais
potencial em âmbito mundial do que a seleção masculina, e até hoje isso
acontece. Mesmo assim, no seu início, elas tinham muito menos apoio que a
masculina, mesmo ganhando uma Copa do Mundo.
O Jornal Los Angeles Times escreve sobre a greve da seleção feminina dos EUA por causa da falta de apoio e reconhecimento.
As jogadoras resolveram, então, agir, juntamente com suas familias e
público em geral, que deram apoio à ação delas. As jogadoras não
atenderam a convocação da federação, resolvendo fazer greve e se
ausentando de participar da seleção. Elas reivindicaram apoio, respeito e
ajuda para poderem continuar a crescer no seu potencial e ter uma
sustentação. Sofreram muito, mas conseguiram ter a atenção, apoio e,
acima de tudo, continuar a praticar o esporte e representar o seu país
com dignidade de cidadania e valorização. Você pensava que tudo foram
"flores" ou uma maravilha para a seleção dos EUA, que tem sido uma das
melhores equipes dos últimos 20 anos? Não.
A impressa americana cobre a seleção feminina de futebol feminino com naturalidade, fazendo marketing, negócios e dando visibilidade.
Outros países, como os europeus, também tiveram as suas lutas e agora
têm todo um sistema que confere estrutura, mas que ainda tem muito a
melhorar.
E o Japão? Atual campeão mundial, ganhando justamente dos EUA e da
Alemanha no Mundial do ano passado: será que tudo foi sempre perfeito
por lá para o futebol feminino? Também não.
Tudo começou com um sonho há 30 anos na federação japonesa. Melhores
resultados foram conquistados com muito esforço, conscientização e,
acima de tudo, estratégia e execução do planejamento. Um planejamento e
investimento no futebol feminino para que em 10 anos eles pudessem ser
campeões mundiais da categoria. Apesar da pouca credibilidade do
esporte, pois nunca chegou entre os quatro finalistas nesta competição, o
Japão aconteceu em 2011 no cenário mundial do futebol feminino. Terei o
prazer de colocar detalhadamento todo esse planejamento do Japão em
outro artigo.
No Campeonato Mundial da Alemanha, nem eu acreditei quando vi a
equipe nipônica campeã do mundo! Eu estava lá, no estádio em Frankfurt, e
meus olhos não podiam mentir. Isso me deixou muito feliz de ver que
tudo é possivel quando se quer e se faz acontecer, com apoio e
direcionamento. Com planejamento, incentivo e profissionalismo. De
quebra, a jogadora do Japão, Homare Sawa, ganhou o prêmio Bola de Ouro
2011 da Fifa como melhor jogadora do mundo, deixando Marta em segundo
lugar.
O time feminino do Japão campeão do mundo em 2011.
A Fifa tem verbas destinadas a cada federação nacional (no Brasil é a
CBF) para dar apoio financeiro ao futebol feminino. A verba não é
suficiente para tanto; é preciso que o governo, clubes e outras
entidades possam investir também. O presidente da Fifa já declarou que
ver o futebol feminino como o esporte do futuro. Já na CBF, um
supervisor da seleção feminina afirmou que se não fosse por essa verba e
apoio da Fifa, a entidade já teria acabado com o departamento em
questão.
Simposium da FIFA mostrando a verba total para investimento de 2012-2015 para o futebol feminino.
O gráfico acima mostra o planejamento que tem sido feito em apoio às
federações nacionais, nas áreas de promoção, programas de
desenvolvimento e programas de suporte ao desenvolvimento de competições
no futebol feminino. O total calculado é em dólares e tem sido
repassado também em anos anteriores.
As mudanças com apoio e melhores condições para a seleção brasileira
já melhoraram muito desde 2004. Existiu um fator fundamental na
arrancada do futebol feminino da seleção que se chamou professor René
Simões. Ele mostrou respeito às meninas e buscou esse apoio financeiro
para elas. Para aumentar a condição de cada uma das jogadoras de ter uma
performance de alto nivel, para aumentar a auto-estima, e para fazer um
trabalhar melhor, René exigiu consultas para elas com ginecologistas,
oculistas, dentista, fisiologistas, e psicólogas, além do tradicional
tratamento fisioterápico. René exigiu também trabalhar com profissionais
do mais alto nivel, que dariam a atenção necessária à seleção como um
todo, holisticamente, enquanto ele melhorava o desempenho delas no
campo, com conceitos modernos, organização, e conjunto.
Com isso, ele direcionou, treinou e conseguiu resultados de alto
nível. Na sua programação precisou de jogos amistosos, jogou alguns
contra times masculinos no Brasil por não terem equipes femininas de
qualidade.
Trouxe a seleção feminina para os EUA em 2004 para um jogo contra a
seleção americana em preparação para as Olimpíadas. A federação
americana estava pagando as despesas de viagem e hospedagem para a
seleção do Brasi. René me contatou para eu conseguir alguns amistosos
com times femininos locais, antes de enfrentar a seleção da casa. De
modo geral, a CBF não dá condições ao futebol feminino fazer amistosos
fora do país com outros países, a não ser que o Brasil seja convidado, e
tenha despesas pagas.
A jogadora Cristiane, em uma entrevista no começo de 2012, ao Globo
Esporte, reafirmou que só com convites pagos a seleção faz amistosos
preparativos. A federação americana pagou para trazer a seleção do
Brasil, e eu consegui apoio e despesas pagas de hospedagem, alimentação e
condições de treino por 15 dias, incluindo os três amistosos que o René
queria contra equipes de universidades dos EUA. Um apoio financeiro de
aproximadamente 60 mil dólares para toda essa logística, e vindo de
empresários e de pessoas que apoiam o futebol feminino neste país. O meu
trabalho, diga-se de passagem, foi de graça em prol do futebol feminino
brasileiro.
Foi o começo de uma brilhante jornada, que René relata no seu livro
"O dia em que as Mulheres Viraram a Cabeça dos Homens", se referindo ao
futebol feminino que tinha, enfim, chamado a atenção da nação, na final
das Olimpíadas de Atenas em 2004.
René e a seleção feminina na comemoração da medalha de prata olímpica de Atenas.
Outras coisas tristes acontecem no futebol
feminino do Brasil que nem sempre têm a ver com treinamento, mas com
atenção, planejamento e direcionamento. Certa vez conversei com umas das
jogadoras e ela me disse que muitas delas na época atenderam a
convocação da seleção por necessidade para dar às suas famílias algum
dinheiro que recebem de diárias, e por isso atendiam a todas as
convocações, ano após ano. Perdem aulas e anos de escolas servindo a
seleção brasileira e quando deixam de ser chamadas por estarem mais
velhas, já não têm como terminar os estudos e prestar um vestibular para
ter uma profissão e melhorar de vida. Anos dedicados à seleção nacional
e um futuro comprometido à pobreza. Triste. Me emocionei.
A serviço da US Soccer em 2008 (sou a primeira à direita, agachada), coordenei atividades de logística com a seleção feminina do Brasil para jogos amistosos contra os EUA
Se não há um retorno imediato em dólares e euros, se não se dá o
respeito em apoio e oportunidade de cidadania em praticar plenamente o
esporte, o que resta para o futebol feminino no Brasil e indiretamente
para a seleção brasileira? Como que com muito pouco ainda conseguimos ir
a uma Olimpíada, ao Mundial, e conseguimos resultados bons com os
técnicos René Simões em 2004, e Jorge Barcellos em 2007 e 2008?
Em entrevista no dia da entrega da Bola de Ouro de 2011 na Fifa, o
técnico do Japão, Norio Sasaki, foi perguntado por um jornalista
brasileiro o que ele achava que o Brasil deveria fazer para manter uma
continuidade de progresso com o futebol feminino, uma vez que o Japão
havia tido esse planejamento e continuidade. Ele respondeu que o Brasil
tem um potencial técnico extraordinário e no passado teve melhores
resultados quando jogou um futebol moderno e muito próximo do melhor
estilo do masculino. Ele via que o Brasil, como outros países, tem que
continuar a jogar esse futebol moderno.
Temos que dar todo apoio possível para o experiente Jorge Barcellos,
que voltou à seleção brasileira no final de 2011, ganhando o torneio
Cidade de São Paulo. Ele tenta levar o Brasil de novo, e talvez a um
patamar mais alto neste ano de Olimpíadas. Condição que, indiretamente,
pode ajudar o futebol feminino do Brasil em geral.
Barcellos com a seleção em 2007-2008 (acima) e rumo às Olimpíadas de Londres
A Fifa tendo seus objetivos que são repassados às federações
nacionais também tem uma missão que é clara, precisa e óbvia. O
documento da entidade abaixo fala da missão de "desenvolver o jogo (o
esporte futebol feminino), influenciar o mundo, construir um futuro
melhor". Se esse objetivo for levado realmente a sério,
estrategicamente, muitas jogadoras terão "esse futuro melhor".
Não temos uma base maior com clubes de nomes no país para sempre
colocar mais e melhores jogadoras na seleção. Não temos um sistema que
dá a base à seleção nacional como os EUA têm, com mais de mil
universidades com times de futebol feminino, de primeira, segunda e
terceira divisões.
Com essa falta de apoio, visão, coordenação e investimento, muitas
das melhores jogadoras do Brasil jogam no exterior. Por clubes
estrageiros ou universidades americanas.
A pergunta se repete: como ainda conseguimos o vice-campeonato
mundial e medalhas de pratas entre os anos de 2004 a 2008 sem uma base
de sustentação maior, sem a ajuda de clubes e do governo? Além da
capacidade extraordinária dos técnicos aqui citados, tem sido sem igual e
impressionante a garra que as atletas tiveram para buscar o máximo que
puderam até agora. Elas têm que manter o melhor de si sem a estrutura de
clubes necessária e ter uma grande responsabilidade de exercer uma
função positiva no futebol feminino. Muitas vezes arriscando o próprio
futuro. Como o professor René Simões uma vez falou, "essas meninas valem
ouro."
Sabemos que os EUA têm grandes vantagens.
Eles têm uma lei federal chamada "Title IX" (Título 9). Essa lei dá
sustentação a essa vantagem. A lei faz com que cada instituição
educacional ou esportiva que recebe verbas do governo ou que são isentos
de impostos tem que dar apoio a modalidades esportivas no feminino,
como também dar oportunidades de bolsas e verbas para as meninas em
escolas e mulheres em universidades. Muitos administradores tentaram
burlar a lei e acabaram sendo processados pelas familiass e governo, e
perderam as verbas ou benefícios governamentais, até ficando sem poder
de funcionamento com as suas instituições.
Crescimento de seleções nacionais e jogos internacionais desde 1971. De três seleções em 1971 para 141 seleções em 2010
Desde a criação desta lei em 1970, as coisas mudaram para o esporte
feminino nos EUA e no mundo, coincidentemente ou não. Nos EUA, as
meninas e mulheres têm mais oportunidades de exercer os seus talentos,
serem tratadas melhor e com atenção, sem preconceito ou despreso; são
respeitadas como pessoas que têm o interesse e o talento de praticar o
esporte. São, em primeiro lugar, cidadãs. Afinal de contas, as mulheres
também pagam impostos.
No solo americano, há times de futebol feminino nos colégios de
ensino médio, e em mais de 1200 universidades e faculdades em todo país.
Também há um pequeno número de clubes espalhados pelo país inteiro
tendo o seu próprio sustento, treinando e orientando atletas a ganharem
bolsas de estudo em universidades, que formam a base da seleção
nacional.
Os clubes da liga profissional americana contratam atletas da seleção
nacional, mas cada um só pode ter no máximo duas atletas que atuam no
momento pela seleção dos EUA; somente três de seleções estrangeiras, e
preenchem o restante do seu elenco com atletas do mais alto nível das
universidades. Dessa forma, nenhum time tem hegemonia, e não centraliza
todas as melhores jogadoras em um time, sem enfraquecer os outros. Com
isso, eles tentam equilibrar a balança para faver o esporte e o clube
crescer.
Mesmo podendo ter atletas de universidades, a liga americana zela em
somente deixar fazer parte de times profissionais as atletas se já
tiverem terminado o seu curso superior ou estão próximas a terminar.
Eles respeitam e preservam o devenvolvimento do esporte e da atleta.
Tudo ao seu tempo.
Essa liga ainda tem muitos desafios com a manutenção de times por
causa da recessão mundial. Ela foi lançada justamente em momento crítico
no mundo, mas ainda continua tentando manter a sua sustentão nesses
tempos difíceis.
A seleção nacional americana dá apoio a seleções de base no feminino,
com centro de treinamentos em diversas partes do país e planejamento
estratégico durante alguns períodos do ano. Acima de tudo, paga
mensalmente aproximadamente USD$ 4,200 (quatro mil e duzentos dólares) a
cada jogadora na seleção principal. A maioria delas já terminou a
universidade quando serve a seleção. Neste exato momento, a US Soccer
lançou um planejamento de 20 anos em tornar o país um dos melhores do
mundo também na sua condição técnica, antes sustentando a sua filosofia
na condição tática e fisica, pois viu na derrota para o Japão o valor
desse planejamento. Escreverei um artigo também sobre o planejamento
nacional dos EUA lançado em 2012.
Além disso, impressa, televisão e outros instrumentos da midia dão o
apoio e visibilidade de forma muito natural, facilitando o investimento
das empresas no esporte. Esse video abaixo, é uma mensagem de final de
ano da federação americana de futebol, mantendo a visibilidade da sua
seleção, que apesar de apenas conquistar o vice-campeonato mundial em
2011, teve a sua imagem e apoio ainda mais valorizados.
Os EUA também lançaram um video mostrando uma combinação da seleção masculina com a feminina, uma mensagem em conjunto. Está disponivel também no Youtube.
Na Alemanha, há clubes de futebol feminino em clubes de "camisa" do
masculino. Os clubes com futebol feminino recebem a verba repassada da
Fifa pela federação e contam com patrocinadores. Essa ajuda dos
parceiros para o feminino é em menor escala que o masculino, mas existe.
A seleçao feminina alemã também tem planejamento de treinamentos no
calendario a curto e longo prazo, inclusive para as seleções de base com
apoio da federação e governo.
Certa vez, durante um congresso de técnicos nos EUA (NSCAA - National
Soccer Coaches Association of America), a ex-jogadora da seleção alemã,
Steffi Jones, sentou em uma cadeira à minha frente, em uma reunião dos
dirigentes e técnicos do Desenvolvimento Olímpico dos EUA (ODP - Olimpic
Development Program).
Conversamos muito sobre como a Alemanha estava buscando melhorar o
trabalho com o feminino, e ela me falou que estava ali para aprender e
saber mais sobre como os EUA fazem para promover e desenvolver o futebol
feminino melhor. Humildemente buscava ideias e informações para colocar
em prática um plano estratégico para o futebol feminino do seu país.
Steffi Jones (à esquerda), ex-jogadora da Alemanha e que foi presidente do Comitê do Mundial em 2011
Hoje, na Alemanha, as atletas das seleções de base têm treinos mistos
com equipes masculinas usando duas jogadoras por vez em cada
treinamento, para melhorar a capacidade e potencial da equipe feminina,
sem preconceito ou separação. Um trabalho de profissionais em conjunto,
filosofia da federação alemã (DFB - Deutscher Fussball-Bund). Outra
coisa interessante é que as seleções femininas de base têm alojamentos
durante parte do ano em diversas partes do país, próximos dos centros de
treinamento e com outros serviços para a atleta.
E os estudos? Esses centros de treinamento da federação alemã em
conjunto com o governo possuem escolas locais e acompanhamento
educacional da federação para as atletas não perderem o ano. Em 2011, eu
visitei um desses centros, localizado no Estado de Saarland, Sul da
Alemanhã. Ao lado do centro de treinamento, tinha também uma faculdade
de Educação Física. Perfeito!
Um dos centro de treinamento de futebol feminino da federação alemã. Campos, prédios educacionais, mapa das regiões de atuação da federação e calendário anual na sala da administradora do projeto, a ex-jogadora da seleção alemã, Margret Kratz (parte de baixo da foto, à minha esquerda).
A visibilidade do time principal da Alemanhã também é grande, e eles
foram mais além. Colocaram vídeos em rede nacional mostrando o apoio do
futebol masculino a elas, de uma forma muito bem humorada. Veja abaixo:
Essa visibilidade e apoio da seleção masculina ajudam toda a nação, culturalmente, e em investimentos.
Sabemos que outros países têm os seus planejamentos e estão chegando
melhor no ranking, e muitos outros têm muito menos que o Brasil. Mas o
que mais importa é se estamos dando o apoio que devemos e o que se é
necessario. Condições, nós temos.
Como solucionar a questão do Brasil ou melhorar aos poucos o
planejamento para continuar a progredir? Seria obrigar os dirigentes a
pagarem milhões a cada jogadora em times pelo país? Seria ter o mesmo
que o masculino tem? Seria ter que dar total apoio e atenção ao futebol
feminino no momento?
Claro, tudo isso seria bom, mas não é realístico pensar ou querer
assim. Quando queremos direitos, não podemos esquecer de deveres.
Vivemos numa sociedade moderna, de negócios, de investimento e de
retorno. Times profissionais têm que produzir e "vender" uma marca,
produtos, serviços. Temos que ter um esporte atraente em níveis técnicos
e profissionais. Temos que ter uma imagem positiva e responsável.
Antes de pedirmos alguma coisa, temos que mostrar que somos sérias
nos nossos objetivos. Interesse, habilidade e garra nós temos.
Precisamos de estrutura, administração e investimento para exercer
melhor as funções de alto nivel e dar retorno. Somos e lidamos com
cidadãos que são também consumidores. É uma responsabilidade mútua dos
dirigentes e atletas.
Acho que a seleção e o futebol feminino no Brasil já mostrou muito
isso e devemos aos poucos conquistar melhores condições para dar o
retorno devido. O interesse é grande, o número de participação e de
formadores de opinião continuam crescendo. Veja abaixo outro dado da
Fifa em participação de mulheres no futebol feminino:
Gráfico de aumento de participação de atletas no futebol feminino no mundo. 29 milhões atualmente, um crescimento de 32% desde 2000
Com certeza, não se faz nada bem feito de uma hora para outra. Isso
leva tempo para mais apoio, para alcançar metas e progredir
continuamente. Uma vez que isso foi conquistado, não dá para esperar
mais e "viver de promessas", como falou a goleira Andrea em entrevista
na volta do Mundial 2011. O futebol feminino do Santos e alguns outros
times que já mostraram que têm objetivo, talento e conquistas, não podem
ficar sem apoio e simplesmente acabar.
Aqui, estão algumas possiveis soluções e alternativas para o futebol feminino no Brasil:
Primeiro, a iniciativa tem que partir do governo em criar leis que
conscientizem e incentivem os clubes de nome, ou de "camisa", a ter um
departamento de futebol feminino. Eles teriam que ter pelo menos uma
ajuda de custo (alimentação, transporte, assistencia médica e comissão
técnica preparada profissionalmente, conhecedora da atleta feminina).
Além disso, o governo deve promover mais isenção de impostos a entidades
privadas para maior investimento e patrocínio.
Segundo, o governo deve trabalhar em conjunto com a CBF, para tratar a
seleção feminina do país com cuidado e atenção especial, sempre. Esta,
por sua vez, a CBF, planejando e executando melhor o calendário da
seleção e dos clubes como faz com o masculino, repassando os
investimentos da Fifa estrategicamente, tendo profissionais do mais alto
nível nas suas comissões técnicas, e usando de um planejamento vertical
entre a seleção principal e as de base no feminino, também.
Objetivos da Fifa a serem cumpridos pelas federações nacionais.
O documento mostra os objetivos traçados pela Fifa para as entidades do esporte nacional aumentarem o seguinte:
- Número de meninas jogando futebol
- Número de clubes femininos com time principal e de base
- Número de ligas e campeonatos (regional, nacional, e por idade)
- Número de mulheres apitando jogos
- Número de técnicas mulheres no comando de equipes
- Número de mulheres em cargos de administração e comando na seleção nacional
- Número de mulheres na federação nacional no conselho de administração junto à presidencia, também na comissão executiva, e em outros cargos de decisões administrativas
- Número de mulheres em cargos de administração nas federações associadas a CBF (federações estaduais).
- Número de clubes femininos com time principal e de base
- Número de ligas e campeonatos (regional, nacional, e por idade)
- Número de mulheres apitando jogos
- Número de técnicas mulheres no comando de equipes
- Número de mulheres em cargos de administração e comando na seleção nacional
- Número de mulheres na federação nacional no conselho de administração junto à presidencia, também na comissão executiva, e em outros cargos de decisões administrativas
- Número de mulheres em cargos de administração nas federações associadas a CBF (federações estaduais).
Como posso imaginar, você deve estar pensando: "isso a gente não vai
ver acontecer nunca, porque temos um país machista". E eu digo: "Nada é
impossivel, basta acreditar e trabalhar".
Com certeza, orgãos do governo, como a recente criada coordenadoria
do futebol feminino no Ministério dos Esportes, pode e deveria começar a
reinvidicar esse tipo de apoio junto à CBF. Com isso, incentivar as
federações e dar oportunidades para mulheres atuarem como árbitras,
técnicas, e preparadoras físicas, conferindo mais uma opção de trabalho e
espaço àquelas que se interessem, principalmente as que tenham sido
jogadoras, para no futuro passarem as suas experiências no esporte e
servir de exemplo.
Esse problema não é só no futebol, não. É muito dificil ver mulheres
no comando das seleções nacionais ou em cargos administrativos que tomam
decisões que afetam as mulheres, em qualquer esporte no Brasil. A unica
exceção de que tenho conhecimento é da ex-jogadora Hortência, do
basquete, que tem cargo administrativo na CBB (Confederação Brasileira
de Basquete).
Essa falta de oportunidades para mulheres exercerem cargos junto às
federações e clubes é bastante diferentes em outros países, como EUA,
Canada, Alemanha, Suécia, Inglaterra e outros, que têm treinadoras,
dirigentes e mulheres em cargos de comando no futebol feminino. Para que
isso aconteça, tem que se dar oportunidade, treinamento e respeito à
profissional.
Terceiro, incentivar por meios de verbas e concessão de bolsas de
estudo para universidades aqueles que prestaram serviços ao país em
seleções, como o Bolsa Atleta já implementado. Abaixo, um vídeo raro de
incentivo ao futebol feminino, e mais raro ainda por ter um cunho
educacional para o futuro profissional da estudante-atleta.
Quarto e último, mas talvez o mais importante, é que o governo possa
promover uma conscientização por meio de propaganda e serviços nas áreas
de esportes e recreação, em comunicação nacional, apoiando a prática de
esportes para todos, e principalmente a mensagem de que o futebol não é
sinômino de esporte para homens. Muitas mulheres vão aos estádios
assistir jogos. Por que elas podem pagar e assistir a jogos, mas não há
oportunidade suficiente e apoio para jogar e no futuro atuar como
profissional?
Um país do presente e do futuro se faz com apoio mútuo e respeito ao
ser humano, e ao cidadão. Isso é parte de uma condição de cidadania e
reconhecimento que sem o apoio das mulheres e o apoio dos homens para
com elas, um país não continua a progredir.
"What you can do" (O que você pode fazer): o que nós e
administradores podemos fazer pelo futebol feminino é estabelecer
projetos de base para crianças, criar ligas e campeonatos, para poder
aumentar patrocínios
Em resumo, enquanto muitos governos já se conscientizaram que países fortes e de potencial só se fazem com respeito a cidadania para todos - homens, mulheres, crianças e idosos -, eu acredito que o Brasil está aos poucos neste caminho, fortemente, e pode alcançar essa conscientização rapidamente, tendo em vista que já elegemos uma mulher como presidente.
Marta, em entrevista antes da festa da Bola de Ouro 2011 da Fifa
cobrou mais envolvimento do governo brasileiro, da CBF, e das televisões
e da mídia. "O interesse tem que partir de todos, da imprensa, porque
sem ela não há interesse de patrocínios, das televisões, do governo, da
confederação. Então, são muitas pessoas envolvidas que podem fazer algo
para estruturar melhor o futebol feminino no Brasil", desabafou a atleta
brasileira, cinco vezes a melhor do mundo.
É com certeza um conjunto de coisas, que simplesmente se traduzem em melhorar a cultura e a política inserida nelas.
A Presidente Dilma recebe a visita da jogadora Marta em 2011
Neste momento, tomo a iniciativa de colocar em prática um sonho
antigo de poder ajudar um pouco mais o futebol feminino do Brasil.
Lançarei em fevereiro um site com um projeto que une talento com
educação, através do futebol do Brasil, para vir jogar nos EUA, uma
potência mundial também nesta área.
Com isso, vou procurar encaminhar jogadoras para vir jogar aqui em
qualquer universidade que ela possar ser admitida a atuar esportivamente
e estudar, com bolsa, dando oportunidade de um futuro melhor com
formação universitaria. Esse é meu compromisso e minha missão de tentar
dar um pouco mais apoio ao futebol feminino do Brasil.
Neste projeto, cada jogadora estará elegível para essa oportunidade
somente quando terminar o ensino médio, apesar de que as preparações
devem começar muito antes. Com isso, quero incentivar mais meninas a
jogarem futebol no Brasil e serem criados projetos de base, levando a
sério os estudos até o termino do ensino médio.
Também, isso pode conscientizar os pais a verem que futebol feminino
"dá futuro", e não é um esporte somente para homens, não. Um futuro que
pode valer mais que milhões de dólares e euros, direcionar vidas, ajudar
familias, realizar sonhos esportivos e profissionais.
Eu acredito que, com isso, eu possa ajudar também o futebol feminino
do Brasil neste momento, e aos poucos tentar conscientizar que existe um
grande valor no esporte e para a educação. Sabemos que desse mundo não
se leva nada, e se pode deixá-lo um pouco melhor do que encontramos.
Fique à vontade para se comunicar comigo e obter mais informações e tecer comentários: marcia.oliveira@me.com.
E não esqueça: a partir de fevereiro 2012, acesse o site www.coacholiveira.com para mais uma opção de investimento no seu futuro, ou para outras jogadoras de futebol.
O futebol feminino do Brasil já dá certo e dá retorno!
*Bacharelado em Psicologia e Educação Física - University of Mary
Hardin-Baylor, 1995; Mestrado em Educação Fisica & Pedagogia -
University of Northern Colorado, 1998; Doutorando em Educação - Sam
Houston State University, 2012.